Não há nada mais difícil para nós do que preenchermos nossas mentes com a graça incondicional de Deus; isso ofende as nossas mais profundas sensibilidades. Um mundo condicional é muito mais seguro do que um mundo incondicional, pois um mundo condicional nos mantém no controle, tudo é padrão – faça certas coisas e certas coisas acontecerão certamente. Nós entendemos condições. Condições fazem sentido. “Incondicionalmente”, por outro lado, é incompreensível para nós. Nós somos muito condicionados contra a incondicionalidade – somos informados de mil maneiras diferentes de que o cumprimento precede a aceitação; que a realização precede a aprovação.
A sociedade demanda amor de mão dupla. Tudo é condicional: se você realiza, apenas assim recebe significado, segurança, respeito, amor e assim por diante. Mas a graça, como Paul Zahl assinala, é amor de mão única: “Graça é o amor que te procura quando você não tem nada para dar em troca. Graça é amor que vem até você e que não tem nada a ver com você. Graça é ser amado quando você é indigno de ser amado”.
Como os amigos de Jó, nós naturalmente concluímos que pessoas boas conseguem coisas boas e pessoas más possuem coisas ruins. A ideia de que pessoas más conseguem coisas boas é profundamente contra-intuitiva. Isso se mostra terrivelmente injusto. Isso ofende o nosso senso de justiça. Mesmo alguns de nós que tenham experimentado a salvação radical pela graça de Deus, notamos que é intuitivamente difícil não colocar condições na graça – “não leve isso tão longe; seja equilibrado”. A verdade é, contudo, que uma postura “sim, graça, mas” é um tipo de postura que perpetua a escravidão em nossas vidas e na igreja. A graça é radicalmente desequilibrada. Não tem “mas”: é incondicional, incontrolável, imprevisível e indomesticável. Como Doug Wilson afirmou recentemente, “A graça é selvagem. A graça desacomoda tudo. A graça extrapola a economia. A graça bagunça seus cabelos. A graça não é subjugada. De fato, se não estivermos deixando os devotos tensos, não estamos pregando a graça como deveríamos”.
Com isso em mente, decidi começar com Lucas 7.36-50. Esse é o famoso relato da mulher pecadora (provavelmente uma prostituta) invadindo uma festa de líderes religiosos e lavando os pés de Jesus com suas lágrimas de arrependimento. Eu aponto dois livramentos que estão acontecendo nessa passagem: o livramento da pessoa imoral, mas também da pessoa moral.
Normalmente, quando pensamos nas pessoas em necessidade de Deus, nós pensamos nos ímpios e nos imorais. O que me fascina é que, em toda a Bíblia, são as pessoas imorais que entendem o Evangelho antes das pessoas morais; é a prostituta que entende a graça; e o fariseu não entende. O que vemos nessa história é que a graça de Deus perturba e depois resgata não apenas o promíscuo, mas também o piedoso. O fariseu nessa história não pode entender o que Jesus está fazendo ao permitir que essa mulher o toque porque ele assume que Deus é para o limpo e competente. Mas Jesus aqui mostra a ele que Deus é para o impuro e incompetente e que, quando comparados com a perfeita e santa vontade de Deus, nós somos todos impuros e incompetentes. Jesus mostra a ele que o evangelho não é para vencedores, mas para perdedores: é para a pessoa fraca e confusa, não para a pessoa forte e poderosa. Não é para os bem-comportados, mas para o morto.
Lembre-se: Jesus não veio para efetuar uma reforma moral, mas uma ressurreição mortal (uma reforma moral pode acontecer – e já aconteceu ao longo da história – sem Jesus. Mas apenas Jesus pode levantar da morte, mais e mais e mais uma vez). Como Gerhard Forde afirma: “Cristianismo não é uma mudança do vício para a virtude, mas mais propriamente uma mudança da virtude para a graça”.
Destruindo toda categorização religiosa que houvesse, Jesus diz ao fariseu que ele tem muito a aprender com a prostituta, não o contrário.
A prostituta, por outro lado, caminha para a festa dos religiosos e cai aos pés de Jesus sem nenhuma preocupação com o que os outros iriam pensar ou falar. Ela está em seu limite. Mais do que esperar para escapar de uma situação desconfortável, ela queria ser limpa – ela precisava ser perdoada. Ela estava ciente de sua culpa e de sua degradação. Ela sabia que precisava de ajuda. Ela entendeu a profundidade do nível da graça de Deus, que não exige que você esteja limpo antes de ir até Jesus. Pelo contrário, nossa única esperança para ser limpo é ir até Jesus. Apenas no Evangelho o amor precede a amabilidade. Em todo lugar a amabilidade precede o amor.
Eu encerrei o sermão relembrando a história que Rod Rosebladt me contou quando estivemos juntos em uma conferência doGospel Coalition, em Chicago. É a história de uma mulher de meia idade que precisava da ajuda de seu pastor.
Ela foi até o pastor e disse: “Pastor, você sabe que eu tive um aborto há alguns anos?” “Sim”, o pastor respondeu. “Bem, eu precisava falar com você sobre o homem que eu conheci desde então”. “Tudo bem”, respondeu o pastor.
“Bem, nós nos conhecemos há um tempo, começamos a sair, e eu pensei: eu preciso dizer a ele sobre o aborto. Mas eu não pude. Então as coisas ficaram mais sérias entre nós dois, e eu pensei: eu preciso contar a ele sobre o aborto. Mas eu não pude. Um pouco depois nós ficamos noivos e eu pensei: eu preciso contar a ele sobre o aborto. Mas eu não pude. Então nos casamos e eu pensei: eu preciso contar a ele sobre o aborto. Mas eu não pude. Então eu precisava falar para alguém, pastor, e aí está você.”
O pastor respondeu, “você sabe, temos um processo para isso. Vamos pensar nisso juntos.” Então eles fizeram – o processo da confissão e da absolvição.
Quando eles terminaram, ela disse a ele: “agora eu acho que tenho coragem para dizer ao meu novo marido sobre meu aborto. Obrigada pastor”. E o pastor respondeu a ela, “que aborto?”
O que o fariseu, a prostituta e todos que estejam nesse intervalo precisam se lembrar todo dia que é Cristo que oferece perdão completo e gracioso tanto da nossa bondade auto-justificada quanto da nossa maldade injustificável. Essa é a coisa mais difícil para nós acreditarmos como cristãos. Nós achamos que é uma marca de maturidade espiritual nos agarrarmos à nossa culpa e vergonha. Estamos, de uma forma doentia, concluindo que quanto mais nos sentimos inferiores, melhores somos. A declaração de Salmos 103.12 é a mais difícil para nós compreendermos e aceitarmos: “e como o Oriente está longe do Ocidente, assim ele afasta para longe de nós as nossas transgressões”. Ou, como Corrie Ten Boom disse uma vez, “Deus pega os nossos pecados – do passado, presente, e futuro – despeja no mar do esquecimento e põe uma placa que diz ‘Proibido pescar’”. Isso parece bom demais para ser verdade… Isso não pode ser tão simples, tão fácil, tão real!
Isso é verdade! Sem restrições. Nem “mas”. Sem condições. Não precisa de um contrapeso. Se você é cristão, agora você é justo debaixo da completa e suficiente justiça imputada de Cristo. Seu perdão é completo e definitivo. Em Cristo, você é perdoado. Você é limpo. Está consumado.
Tullian Tchividjian
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